O que é Direito?
Na definição do que é direito, André Franco Montoro esgota o tema, ao abordarsuas diversas acepções, uma vez que o termo é equívoco. Ensina, então, que:
1. Origens do vocábulo
1. 1. Problemas de epistemologia jurídica
Ao estudar o direito como ciência, devemos naturalmente examinar sua definição, assim como o lugar que ele ocupa no conjunto das ciências e a natureza de seu objeto. Tais problemas pertencem ao campo da Epistemologia Jurídica.
Epistemologia, do grego epistême (ciência) e logos (estudo), significa etimologicamente “teoria da ciência”. Nesse sentido, podemos dizer, com Machado Neto, que “tratar da ciência do direito, ainda que para o mister elementar de defini-lo, é fazer Epistemologia”
Há, entretanto, na linguagem filosófica, certa imprecisão e diversidade de conceitos sobre a exata significação do vocábulo. Assim, Lalande define Epistemologia “o estudo crítico dos princípios, das hipóteses e dos resultados de cada ciência” (Vocabulaire technique et critique de la Philosophie, verbete “epistemologie”). E, em nota, esclarece que a palavra inglesa epistemology é freqüentemente empregada para designar toda a “teoria do conhecimento” ou “gnosiologia”. Da mesma forma, os italianos, em geral, costumam distinguir epistemologia e teoria do conhecimento. De qualquer forma, os problemas citados: definição de direito, sua posição no quadro das ciências, a natureza de seu objeto, constituem inquestionavelmente temas de Epistemologia do Direito.
1 . 2. Definição nominal e real
Conceituar o direito é defini-lo. E há duas espécies de definição:
a) nominal, que consiste em dizer o que uma palavra ou nome significa;
b) real, que consiste em dizer o que uma coisa ou realidade é.
Em obediência à recomendação da lógica, é o que vamos fazer em relação ao direito. Estudaremos, primeiramente, a significação da palavra. Examinaremos, em seguida, a realidade ou realidades que constituem o direito.
O estudo das palavras não é destituído de valor. Pelo contrário, a palavra do homem é a expressão de seu pensamento. E, quando um vocábulo é empregado durante várias gerações para designar uma realidade, ele se apresenta cheio de conteúdo e significação. O nome é a experiência acumulada e constitui, de certa forma, o limiar da ciência.
3. Origem dos vocábulos “direito” e “jurídico”
Que significa a palavra “direito”? Qual a sua origem?
Nas línguas modernas encontramos dois conjuntos de termos utilizados para exprimir a idéia de direito.
Um primeiro conjunto liga-se ao vocábulo “direito”, que encontra similar em todas as línguas neolatinas e, de forma geral, nas línguas ocidentais modernas: Droit (francês); Diritto (italiano); Derecho (espanhol); Recht (alemão); Right (inglês); Dreptu (romeno).
Essas palavras têm sua origem num vocábulo do baixo latim: directum ou rectum, que significa “direito” ou “reto”. Rectum ou directum é o que é conforme a uma regra.
Mas, ao lado desse, existe outro conjunto de palavras que, nas línguas modernas, liga-se à noção de direito. Esse conjunto é representado pelos vocábulos: “jurídico”, “jurisconsulto”, “judicial”, “judiciário”, “jurisprudência”, etc., que encontram, também, similar em quase todas as línguas modernas.
Qual a origem desses vocábulos?
É visível que a etimologia dessas palavras encontra-se no termo latino jus juris, que significa “direito”.
Mas, se remontarmos um pouco além e formos investigar a significação originária do vocábulo jus, encontraremos, pelo menos, duas origens diferentes indicadas pelos filólogos.
Alguns pretendem que jus se tenha constituído no idioma latino, como derivado de jussum, particípio passado do verbo jubere, que significa: mandar, ordenar.
E apontam, nesse sentido, certas fórmulas que eram usadas nas Assembléias Curiais em Roma, nas quais os cidadãos, depois de discutirem as leis, decidiam sobre a sua promulgação. A fórmula usada então, para encerramento da discussão, era a seguinte: Jubeate quirites (mandai cidadãos); ou então, adsentite jubere quirites (concordai em mandar, cidadãos).
Outros preferem ver no vocábulo jus uma derivação de justum, isto é, aquilo que é justo ou conforme à justiça.
“Jus dictum est quia est justum”, diz Isidoro de Sevilha (Etymol., cap. 3).
Como confirmação dessas hipóteses são indicados vocábulos de uma tradição ainda mais antiga.
Assim, ligado à noção de jussum (mandado), indicam alguns autores, como radical remoto de jus, o vocábulo sânscrito yú, que significa vínculo, de onde derivam palavras como: jugo, jungido, cônjuge (cum-yú, vínculo comum).
Os que pretendem ver, no vocábulo jus, uma derivação da idéia de justiça ou de santidade (justum), encontram por sua vez, como raiz remota, o vocábulo do idioma védico yós, que significa bom, santo, divino, de onde parece terem sido originadas as expressões Zeus (Deus ou o Pai dos deuses, no grego) e Jovis (Júpiter, no latim).
Assim, para citar alguns autores que mais diretamente estudaram o problema, podemos mencionar, entre os defensores da primeira hipótese, Ihering, que afirma: “Jus significa “vínculo”, da raiz sânscrita yú (ligar), de onde derivam: jugo, jungir e outras inúmeras palavras”. No mesmo sentido é a opinião de Pott, Meringer e outros.
Mas, de outro lado, ilustres autores, como Schrader, Mommsen, Breal, adotam a tese de que a palavra jus liga-se ao que é justo, santo, puro. Para Mommsen, jus aproxima-se de jurare. E, Breal, no estudo sobre a “Origem das palavras que designam o direito e a lei no latim”, afirma que o vocábulo jus encontra-se ligado às palavras jaus ou jous, nos povos da Itália, Pérsia e Índia, e exprimiria uma idéia correspondente às noções mais elevadas que possa conceber o espírito do homem. O pensamento ancestralmente contido nessa palavra seria o da vontade ou do poder divino.
Evidentemente, a esta segunda acepção, também se ligam famosos textos de Direito Romano, como aquele em que se define o direito como “a arte do bem e do justo”, ars boni et aequi (Celso), ou a jurisprudência como, “o conhecimento das coisas divinas e humanas e a ciência do justo e do injusto”, “jurisprudentia est divinarum atque humanarum rerum notitia, justi atque injusti scientia” (Ulpiano, DIG, I, 1).
Segundo Lachance, é ainda possível que o vocábulo jus proceda de juvo, juvare, ajudar, proteger. O direito seria, nesse sentido, uma proteção destinada a defender os homens contra qualquer violência.
Para completar a indicação das origens do vocábulo, “direito”, convém citar, também, a palavra grega correspondente. Trata-se do vocábulo diké (direito), por sua vez ligado à raiz indo-européia dik, que significa indicar. Não há, entretanto, nas línguas modernas palavras vinculadas ao diké grego. Apenas nos trabalhos eruditos esse termo é mencionado.
Esse fato confirma um dos aspectos conhecidos da história da cultura. Quase todas as palavras ligadas ao direito, são de origem latina. O que revela a influência poderosa do direito romano sobre o direito moderno, ao lado da influência quase nula da cultura grega, nesse particular.
Em outros setores, como na filosofia, nas artes e nas ciências especulativas foi profunda a influência da cultura helênica. Mas, no campo do direito, quase nada encontramos que nos ligue à Grécia. A influência decisiva nesse campo foi de Roma. O gênio prático dos romanos contrasta com a sabedoria teórica dos gregos. No campo do pensamento puro os gregos foram notáveis. Pode dizer-se que não houve em Roma filósofo que mereça ser posto ao lado de Sócrates, Platão ou Aristóteles. Mas, do ponto de vista prático – e o direito se situa nesse campo – os romanos foram insuperáveis, E o monumento jurídico que eles deixaram à humanidade, o Direito Romano, comunicou-se até nós e ainda influi poderosamente no direito contemporâneo
2. Pluralidade de significações do direito – Cinco realidades fundamentais
Não podemos nos limitar ao estudo do vocábulo. Devemos passar do plano das palavras para o das realidades.
Consideremos as expressões seguintes:
1 - o direito não permite o duelo;
2 - o Estado tem o direito de legislar;
3 - a educação é direito da criança;
4 - cabe ao direito estudar a criminalidade;
5 - o direito constitui um setor da vida social.
Se atentarmos para a significação do vocábulo “direito”, nessas diversas expressões, verificaremos que, em cada uma, ele significa coisa diferente.
Assim, no primeiro caso – “o direito não permite o duelo” – “direito” significa a norma, a lei, a regra social obrigatória.
Na segunda expressão – “o Estado tem o direito de legislar” – “direito” significa a faculdade, o poder, a prerrogativa, que o Estado tem de criar leis.
Na terceira expressão – “a educação é direito da criança” – “direito” significa o que é devido por justiça.
Na quarta expressão – “cabe ao direito estudar a criminalidade” – “direito” significa ciência, ou, mais exatamente a ciência do direito.
Na última expressão – “o direito constitui um setor da vida social” – “direito” é considerado como fenômeno da vida coletiva. Ao lado dos fatos econômicos, artísticos, culturais, esportivos, etc., também o direito é um fato social.
Temos, assim, cinco realidades diferentes a que correspondem as acepções fundamentais do direito. Um estudo mais detido nos revela que, partindo destas, podemos chegar, ainda, a outras significações, de menor importância.
(Fonte: MONTORO, André Franco, Introdução à Ciência do Direito, São Paulo-SP, Editora RT, 21ª edição, pp. 29/34).