A Justiça deve ser vendada?
por Osório Barbosa
Deus (ou o acaso), para mim, sem dúvidas Deus, nos deu cinco sentidos,
mas ao longo dos anos os cultores do Direito (profissão que ora abraço
com todas as forças do meu corpo e da minha alma) vêm desprezando um
desses sentidos, qual seja, a visão, que se não é o mais importante para
o ser humano se conduzir na vida, é dos mais importantes.
Sempre que olhamos a imagem de Thêmis (a deusa que personifica a
Justiça) , vemos que ela está com uma venda sobre os olhos. Alega-se
que isso é para que ela não distinga, em seus julgamentos, entre o pobre
e o rico, o forte o fraco, o homem e a mulher etc.
Posso eu, na nova e querida profissão que irei abraçar, desprezar esse
sentido tão importante ao conhecimento e à percepção do mundo que me
cerca?
Como distinguirei entre o forte e o fraco se não posso vê-los? Devo
para tanto apenas acreditar no que os outros me dizem? Ou melhor seria
que eu mesmo buscasse diretamente o conhecimento que me chega pela boa
vontade de terceiros?
O que é a riqueza se não entendida em seu sentido prático?
O que é o homem e o que é a mulher, se não posso tocá-los?
Somente por intermédio da visão seremos capazes de conhecer as dores e
as vicissitudes que acometem nossos semelhantes, e partir daí, num
exercício de transmudação, compreendê-las, para, num passo seguinte,
contribuir, pela ação, para que possam ser vencidas.
O sábio Anaxágoras já dizia que: “é devido à debilidade dos nossos
sentidos que não somos capazes de distinguir a verdade”.
Ora, aceitando-se essa lição, que já ultrapassa milênios, posso
concluir que, se com os cinco sentidos já não sou capaz de distinguir a
verdade, como poderei fazê-lo com apenas quatro?
Trago essas considerações para compartilhar com todos as dúvidas que me
assaltam o espírito quando penso que, em breve, estarei distribuindo, ou
contribuindo, para a distribuição da Justiça, e nesse propósito estou me
predispondo a ser completo, a procurar em cada um dos átomos que me
compõem a matéria e na mais recôndita expressão de minha mente a
forma exata de preencher esse valor que deve ser a meta de cada um
daqueles que se dizem humanos.
Para isso peço a Deus que conserve meus cinco sentidos, pois preciso de
todos eles integralmente, em especial da visão, a fim de que eu possa
ver para encontrar onde está qualquer injustiça, assim combatê-la com
todas as armas que me forem fornecidas, arrostando-a sem temor, pois
estarei seguindo um outro sentimento, a piedade, pois somente o homem
piedoso, que se condói com o sofrimento de seu par, é capaz de ser
justo.
Eu só tenho significado na alteridade, em vendo para sentir a injustiça
que pesa sobre o outro, pois só assim serei capaz de bem agir em defesa
de meu semelhante.
Ver é compreender!
Somente compreenderei beleza quando meus olhos forem capazes de captar
a luz que traz o seu reflexo.
Por tudo isso, conclamo-os a, desde já, incluirmos em nossa missão a
defesa dessa injustiçada, a visão, pois assim estaremos iniciando nossa
jornada pela defesa de nós mesmos, que é a defesa mais árdua que pode
enfrentar um causídico, pois é quase impossível ser imparcial consigo
próprio. E se soubermos sê-lo, seremos também com todos os demais.